O olhar da Dieta Mediterrânica sobre o processamento dos alimentos.
Vânia
Quando falamos em saúde e alimentação equilibrada, muitas vezes ouvimos os termos não processados, processados ou até ultraprocessados. Mas o que significam na prática?
O processamento dos alimentos é o conjunto de técnicas e métodos utilizados para transformar matérias-primas (como frutas, vegetais, cereais, carne, leite) em produtos alimentares que podem ser consumidos de forma segura, mais duradoura e, muitas vezes, mais prática.
O processamento pode ser simples ou muito complexo, dependendo do objetivo: aumentar a durabilidade, melhorar o sabor, alterar a textura, facilitar o transporte ou enriquecer com nutrientes.
1. Alimentos não processados
São alimentos no seu estado natural, tal como a natureza os fornece.
Frutas frescas: maçã, laranja, pêssego, uva.
Legumes e hortícolas frescos: tomate, alface, cenoura, curgete, espinafres.
Processados (com moderação): conservas de peixe em azeite, compotas caseiras, queijos curados, azeitonas curadas.
Ultraprocessados: não fazem parte da tradição mediterrânica e não são incentivados.
Nota para a vida moderna
Hoje, além dos alimentos mediterrânicos, usamos também ingredientes saudáveis de outras origens que se enquadram bem numa alimentação equilibrada, como:
Tofu e tempeh (origem asiática, fonte de proteína vegetal).
Quinoa e amaranto (Andes, ricos em proteína e fibra).
Chia e linhaça (sementes com ómega-3 e fibras).
Abacate (rico em gorduras boas).
Batata-doce (muito nutritiva, usada já em várias cozinhas do mundo).
Cacau puro (em pó ou nibs, sem açúcar).
Caju (apesar de não ser mediterrânico, é uma boa oleaginosa).
(Atenção: Alguns destes alimentos são transportados de longe o que os torna mais caros e desfavoráveis para o ambiente.)
Assim, a alimentação mediterrânica moderna pode ser vista como uma base sólida de tradição, aberta a novos alimentos naturais e minimamente processados, desde que mantenham a mesma lógica: simplicidade, equilíbrio e proximidade da natureza.
Hoje vou partilhar como cozinho e preparo os peixes que mais consumimos em casa, usando alguns dos truques do meu avô Manel, que marcou profundamente a minha relação com este alimento.
Confesso que, apesar de ser algarvia, nunca fui grande fã de cozinhar peixe. Sempre achei que o peixe é exigente, pedindo atenção e sabedoria. Mas a verdade é que cresci rodeada de peixe fresco e de histórias que o transformavam numa experiência quase mágica.
O meu avô materno, o meu querido avô Manel, era comerciante de peixe. Na casa da minha mãe nunca faltou peixe fresco. Ele trabalhava até muito tarde, carregando o peixe na sua mota e garantindo que o produto chegava perfeito aos clientes.
O meu avô sabia todos os truques para escolher e cozinhar o peixe de forma perfeita. Era um cozinheiro de mão cheia e a minha mãe herdou esses saberes, e hoje eu tento absorver para aprender com eles, para trazer à mesa da minha família pratos simples, saborosos e cheios de história.
Sardinha
A sardinha é peixe de verão e pede simplicidade: apenas sal grosso e brasa. Não é necessário tirar as entranhas — é assim que se mantém o sabor autêntico.
No fogareiro: cerca de 3 a 4 minutos de cada lado, até a pele ficar tostada.
Na air fryer: também funciona bem, a 200 °C por 6 a 8 minutos, mas a sardinha ganha outra vida mesmo é no carvão.
Carapau
O carapau, tal como a sardinha, ganha sabor quando assado inteiro, sem retirar as entranhas. Essa gordura ajuda a manter a carne suculenta.
No fogareiro: 4 a 5 minutos de cada lado.
Pode ser temperado apenas com sal e servido com salada de pimentos assados.
Na air fryer ainda não experimentei, mas por ser um peixe menos gordo pode secar facilmente.
Cavala
A cavala é um peixe muito saudável, rico em ómega-3, mas que pode ficar seco quando grelhado ou assado. Por isso, para mim, a melhor forma de a preparar é cozida.
Limpar o peixe, retirando as entranhas.
Deixar a água ferver com um ramo generoso de orégãos.
Temperar a cavala diretamente com sal grosso.
Quando a água estiver em plena fervura, colocar o peixe e deixar cozer por 8 minutos.
O resultado é uma carne firme, aromática e saborosa, que combina na perfeição com batata cozida, legumes ao vapor ou uma salada fresca
Abrótea
A abrótea é para mim o “peixe dos doentes”. O meu avô costumava prepará-lo para a minha mãe quando estava doente, e até hoje guardo essa forma de carinho comigo. É um peixe branco, de sabor suave e textura delicada, que praticamente se desfaz na boca.
Descongelar antes de cozer: mergulhar o peixe em água abundante com sal, uma cenoura descascada e meia cebola. Este processo ajuda a firmar a carne, eliminar odores e zonas amareladas. Deixar a descongelar dentro desta água com a cenoura e a cebola.
Cozer em água: depois de descongelado, colocar em água a ferver e deixar cozinhar por cerca de 8 minutos.
O resultado é um peixe leve, nutritivo e de fácil digestão — talvez por isso tenha ficado associado ao cuidado, ao mimo e à recuperação.
Pescada
A pescada é um peixe branco, delicado e de sabor suave, ideal para refeições leves.
Cozida descongelado ou congelada: colocar a pescada em água com sal, um dente de alho esmagado e uma folha de louro. Deixar cozinhar cerca de 8 minutos, dependendo do tamanho do peixe. Depois de cozida, servir temperada com azeite e limão.
No forno já descongelada: regar o peixe com azeite, pimenta e limão.
Escolher uma erva aromática, como tomilho, salsa ou coentros, e levar ao forno a 180 °C por cerca de 15 a 20 minutos, até cozer rapidamente, sem ressecar a carne.
Tamboril
O tamboril é um peixe de carne firme, ideal para pratos como o arroz de tamboril.
No arroz: usamos normalmente tamboril já descongelado no frigorífico. Colocar o peixe apenas quando o arroz estiver quase cozido, pois demora pouco tempo a cozer — cerca de 6 minutos.
É importante não deixar passar do ponto, para que a carne se mantenha firme e suculenta.
Cada um destes peixes traz consigo não só um sabor, mas também uma memória — da minha infância, da cozinha da minha mãe e dos ensinamentos do meu avô Manel. Cozinhar peixe, para mim, é mais do que preparar uma refeição: é honrar uma herança de simplicidade, respeito pelo alimento e ligação à família. Talvez eu nunca venha a cozinhar como o meu avô ou a minha mãe, mas cada vez que preparo uma sardinha, uma cavala ou uma pescada, sinto que continuo a sua tradição e passo adiante um pouco dessa história à minha filha. Afinal, no prato não está apenas o peixe, mas também o afeto e as raízes que nos alimentam.
Nos últimos anos, muitos alimentos “da moda” começaram a aparecer em receitas e até em artigos sobre a dieta mediterrânica. Mas será que todos eles pertencem realmente a esta tradição milenar? 🌱 A resposta é: não exatamente.
A dieta mediterrânica original nasceu dos alimentos locais da bacia do Mediterrâneo — azeite, pão e cereais como trigo e cevada, leguminosas (grão, feijão, lentilhas), peixe, frutos secos (amêndoa, noz, avelã, pistácio), frutas e hortícolas da época.
Com o tempo, a versão moderna da dieta acabou por incorporar novos alimentos que, embora não fizessem parte da tradição original, alinham-se com o seu padrão alimentar: naturais, nutritivos e de base vegetal. É o caso, por exemplo, da quinoa, do abacate ou das sementes de chia.
Apesar de saudáveis, estes produtos têm uma desvantagem: não são locais. Vêm de muito longe, o que encarece o seu preço e aumenta o impacto do transporte. Por isso, podem ser incluídos, sim, mas sem substituir os ingredientes mediterrânicos de sempre — que continuam a ser a base mais acessível, sustentável e autêntica desta forma de comer.
🌍 Alimentos da moda que não são mediterrânicos
Quinoa, amaranto e chia – vindos da América do Sul e da América Central.
Abacate, papaia, açaí – tropicais, de origem americana.
Manga, coco, banana – tropicais, sobretudo da Ásia.
Bagas Goji, chá verde, matcha, kombucha – vindos da Ásia.
Castanha de caju, macadâmia, amendoim – da América e de outras regiões tropicais.
Soja, tofu, edamame – típicos da Ásia.
São todos alimentos interessantes e nutritivos, mas não são originarios do clima do mediterrâneo.
Mas será que precisamos mesmo deles?
A resposta é: não.
O Mediterrâneo sempre viveu bem e de forma saudável com os alimentos locais e sazonais. E, ao escolher o que cresce perto de nós, poupamos o ambiente e na carteira.
No entanto, alguns destes alimentos “da moda” já começam a ser produzidos em Portugal, como o abacate, a chia ou até a quinoa. Nesse caso, quando são cultivados localmente, tornam-se mais económicos, acessíveis e sustentáveis. E, por serem ricos em nutrientes, podem ser uma boa opção dentro de uma alimentação saudável.
A verdadeira força da dieta mediterrânica está na sazonalidade e na localidade: alimentos colhidos no tempo certo e perto de casa oferecem maior valor nutricional, melhor durabilidade e preços mais baixos. Para seguir esta tradição de forma moderna, não é necessário rejeitar frutas, sementes ou produtos exóticos — eles são saudáveis e podem perfeitamente fazer parte da alimentação. Apenas vale ter em conta que tendem a ser mais caros e têm um maior impacto ambiental. Assim, a base da dieta mediterrânica continua a ser a simplicidade, o sabor e a proximidade com os alimentos, tornando o dia a dia mais saudável, equilibrado e amigo do planeta.
Na cozinha mediterrânica, o pão, o arroz e as massas ocupam um lugar especial. Eu que nasci no Algarve e vivo atualmente no Alentejo sei bem disso. Estes alimentos sempre fizeram parte das refeições do dia a dia — seja para acompanhar um prato de peixe, absorver o molho de um guisado ou servir de base para uma sopa reconfortante.
Mas, do ponto de vista da nutrição e da saúde, vale a pena trocar as versões brancas e refinadas pelas integrais?
O que muda quando passamos para integrais:
1. Mais fibras
Nas versões integrais, o grão é usado por inteiro. Isso mantém uma boa quantidade de fibras, essenciais para regular o intestino, aumentar a saciedade e ajudar no controlo do peso.
2. Mais nutrientes
As fibras vêm acompanhadas de vitaminas do complexo B, magnésio, ferro e antioxidantes que são retirados durante o processo de refinação.
3. Absorção mais lenta
O índice glicémico é mais baixo, evitando picos rápidos de açúcar no sangue e ajudando na prevenção de diabetes tipo 2.
4. Amigos do intestino
As fibras alimentam as bactérias benéficas do microbioma intestinal, fortalecendo a imunidade e melhorando a digestão.
E na dieta mediterrânica tradicional?
Na versão mais autêntica da dieta mediterrânica — aquela que se praticava nas aldeias e pequenas cidades — os cereais integrais eram comuns. O pão era feito com farinhas menos refinadas, muitas vezes de centeio, cevada ou trigo escuro. As massas artesanais, secas ao sol, não passavam pelo mesmo processo de branqueamento das versões industriais.
Ainda assim, havia momentos em que se usava pão ou arroz branco, sobretudo em pratos festivos ou receitas específicas, mas em quantidades moderadas e sempre acompanhados de legumes, azeite, peixe ou leguminosas.
Quando pode não ser necessário trocar totalmente
Embora as versões integrais sejam, em regra, mais benéficas, algumas pessoas com problemas digestivos (ex.: síndrome do intestino irritável, colite em fase ativa) podem precisar reduzir temporariamente a ingestão de fibras.
E, claro, preservar a tradição gastronómica também é válido: comer ocasionalmente um prato típico com pão ou arroz branco não anula os benefícios de uma alimentação saudável no dia a dia.
Como começar a fazer a troca
Substitua o pão branco por pão integral ou de mistura.
Use arroz integral ou semi-integral em acompanhamentos.
Experimente massas integrais com azeite e legumes frescos.
Combine cereais integrais com leguminosas (ex.: grão, feijão, lentilhas) para aumentar o valor nutricional.
Atualmente, vivendo no Alentejo, noto que a variedade de produtos integrais disponível é menor e, muitas vezes, as marcas que mais gostávamos não se encontram por aqui. Além disso, o custo das massas e do arroz integrais é consideravelmente mais elevado. Por isso, grande parte das vezes optamos pelas variedades não integrais.
Não é o ideal do ponto de vista nutricional, mas é a nossa realidade — e isso não anula a totalidade dos benefícios de uma alimentação mediterrânica. Afinal, este padrão alimentar não se define apenas por escolher cereais integrais, mas sim por um conjunto de hábitos que incluem o consumo abundante de frutas e legumes frescos, leguminosas, azeite como principal fonte de gordura, peixe, frutos secos e refeições simples preparadas com ingredientes locais e sazonais.
Trocar o pão, o arroz, as massas e a farinha branca pelas versões integrais faz sentido para a maioria das pessoas, especialmente num estilo de vida mediterrânico. Mais fibras, mais nutrientes, digestão mais lenta e melhor saúde intestinal são benefícios claros.
Mesmo optando por arroz ou massas não integrais, o equilíbrio geral da dieta, aliado ao estilo de vida ativo e à moderação, mantém-se fiel ao espírito da alimentação mediterrânica tradicional. No fundo, mais do que uma lista rígida de regras, este padrão alimentar é uma filosofia que valoriza o que é fresco, natural, saboroso e partilhado à mesa.
A chave está no equilíbrio: respeitar a tradição, mas aproveitar o que a ciência já comprovou como mais benéfico. Afinal, o verdadeiro espírito da dieta mediterrânica é comer com qualidade, variedade e sem pressa.
A expressão “dieta mediterrânica” pode parecer moderna, mas descreve um padrão alimentar que existe há milhares de anos nas regiões banhadas pelo Mar Mediterrâneo. Embora os hábitos alimentares tradicionais destas áreas — como Portugal, Itália, Grécia e Espanha — tenham raízes nas antigas civilizações agrícolas, o termo em si foi popularizado apenas na década de 1950 e 1960, graças ao trabalho do fisiologista e nutricionista norte-americano Ancel Keys.
Ao estudar diferentes populações, Keys observou que quem vivia nestas regiões tinha menor incidência de doenças cardiovasculares, e que isso estava ligado a uma alimentação rica em frutas, legumes, leguminosas, cereais integrais, azeite, peixe e pobre em carnes vermelhas. Em 1975, ele divulgou estas descobertas ao mundo no livro "How to Eat Well and Stay Well — The Mediterranean Way", ajudando a transformar um modo de comer tradicional num património cultural e nutricional reconhecido mundialmente.
Hoje, a dieta mediterrânica é considerada não apenas um padrão alimentar saudável, mas também um reflexo de um estilo de vida equilibrado, ligado à terra, à sazonalidade e ao prazer de comer bem.
Ancel Keys observou vários benefícios marcantes no padrão alimentar tradicional das populações mediterrânicas, especialmente na Grécia (ilha de Creta) e no sul de Itália, quando comparadas com países como os EUA ou o norte da Europa. Os principais foram:
Menor incidência de doenças cardiovasculares
Populações mediterrânicas tinham taxas muito mais baixas de enfartes e aterosclerose. Isto estava associado ao consumo predominante de gorduras insaturadas (especialmente do azeite) e à baixa ingestão de gorduras saturadas.
Maior longevidade
Habitantes destas regiões viviam mais anos e envelheciam de forma mais saudável. A dieta, combinada com um estilo de vida ativo, parecia proteger contra doenças crónicas associadas ao envelhecimento.
Menor prevalência de obesidade
Apesar de ingerirem azeite e frutos secos (caloricamente densos), mantinham peso saudável graças ao equilíbrio geral da alimentação e ao alto consumo de alimentos frescos e pouco processados.
Proteção contra alguns tipos de cancro
Keys notou menor incidência de certos cancros, possivelmente devido ao alto consumo de vegetais, frutas e leguminosas ricos em antioxidantes e fibras.
Melhor perfil lipídico
O colesterol total e o LDL (“colesterol mau”) eram mais baixos, enquanto o HDL (“colesterol bom”) era mais alto, ajudando a proteger as artérias.
Controle da pressão arterial
A dieta rica em potássio (frutas, legumes e leguminosas) e pobre em sal industrializado ajudava a manter a pressão arterial equilibrada.
Ao longo das últimas décadas, a dieta mediterrânica passou de um costume alimentar tradicional para um verdadeiro símbolo de saúde e de património cultural.
Foi a partir da década de 1990 que ganhou maior notoriedade científica, depois de anos de investigação iniciados por Ancel Keys e reforçados por estudos de instituições de referência como a Harvard School of Public Health e a Organização Mundial da Saúde. Estas pesquisas confirmaram aquilo que as populações mediterrânicas já sabiam na prática: este padrão alimentar está associado a maior longevidade, menor risco de doenças cardiovasculares e a um bem-estar geral duradouro.
Em 2010, o reconhecimento foi além da saúde. A UNESCO declarou a dieta mediterrânica Património Cultural Imaterial da Humanidade, valorizando não só os seus benefícios nutricionais, mas também o seu papel social e cultural — a partilha das refeições, o respeito pela sazonalidade, o uso de produtos locais e a ligação à terra.
Desde então, a dieta mediterrânica ocupa, ano após ano, o topo dos rankings internacionais, como o do U.S. News & World Report, que desde 2018 a classifica como a dieta mais saudável do mundo. Além de ser a mais estudada pela ciência, continua a inspirar milhões de pessoas que procuram uma alimentação equilibrada, saborosa e sustentável.